quarta-feira, 22 de julho de 2009

O Gato Preto (Parte III - Final)

Na verdade, naquele momento eu era um miserável — um ser que ia além da própria miséria da humanidade. Era uma besta-fera, cujo irmão fora por mim desdenhosamente destruído... uma besta-fera que se engendrara em mim, homem feito à imagem do Deus Altíssimo. Oh, grande e insuportável infortúnio! Ai de mim! Nem de dia, nem de noite, conheceria jamais a bênção do descanso! Durante o dia, o animal não me deixava a sós um único momento; e, à noite, despertava de hora em hora, tomado do indescritível terror de sentir o hálito quente da coisa sobre o meu rosto, e o seu enorme peso — encarnação de um pesadelo que não podia afastar de mim — pousado eternamente sobre o meu coração!
Sob a pressão de tais tormentos, sucumbiu o pouco que restava em mim de bom. Pensamentos maus converteram-se em meus únicos companheiros — os mais sombrios e os mais perversos dos pensamentos. Minha rabugice habitual se transformou em ódio por todas as coisas e por toda a humanidade — e enquanto eu, agora, me entregava cegamente a súbitos, freqüentes e irreprimíveis acessos de cólera, minha mulher - pobre dela! - não se queixava nunca convertendo-se na mais paciente e sofredora das vítimas.
Um dia, acompanhou-me, para ajudar-me numa das tarefas domésticas, até o porão do velho edifício em que nossa pobreza nos obrigava a morar, O gato seguiu-nos e, quase fazendo-me rolar escada abaixo, me exasperou a ponto de perder o juízo. Apanhando uma machadinha e esquecendo o terror pueril que até então contivera minha mão, dirigi ao animal um golpe que teria sido mortal, se atingisse o alvo. Mas minha mulher segurou-me o braço, detendo o golpe. Tomado, então, de fúria demoníaca, livrei o braço do obstáculo que o detinha e cravei-lhe a machadinha no cérebro. Minha mulher caiu morta instantaneamente, sem lançar um gemido.
Realizado o terrível assassínio, procurei, movido por súbita resolução, esconder o corpo. Sabia que não poderia retirá-lo da casa, nem de dia nem de noite, sem correr o risco de ser visto pelos vizinhos.
Ocorreram-me vários planos. Pensei, por um instante, em cortar o corpo em pequenos pedaços e destruí-los por meio do fogo. Resolvi, depois, cavar uma fossa no chão da adega. Em seguida, pensei em atirá-lo ao poço do quintal. Mudei de idéia e decidi metê-lo num caixote, como se fosse uma mercadoria, na forma habitual, fazendo com que um carregador o retirasse da casa. Finalmente, tive uma idéia que me pareceu muito mais prática: resolvi emparedá-lo na adega, como faziam os monges da Idade Média com as suas vítimas.
Aquela adega se prestava muito bem para tal propósito. As paredes não haviam sido construídas com muito cuidado e, pouco antes, haviam sido cobertas, em toda a sua extensão, com um reboco que a umidade impedira de endurecer. Ademais, havia uma saliência numa das paredes, produzida por alguma chaminé ou lareira, que fora tapada para que se assemelhasse ao resto da adega. Não duvidei de que poderia facilmente retirar os tijolos naquele lugar, introduzir o corpo e recolocá-los do mesmo modo, sem que nenhum olhar pudesse descobrir nada que despertasse suspeita.
E não me enganei em meus cálculos. Por meio de uma alavanca, desloquei facilmente os tijolos e tendo depositado o corpo, com cuidado, de encontro à parede interior. Segurei-o nessa posição, até poder recolocar, sem grande esforço, os tijolos em seu lugar, tal como estavam anteriormente. Arranjei cimento, cal e areia e, com toda a precaução possível, preparei uma argamassa que não se podia distinguir da anterior, cobrindo com ela, escrupulosamente, a nova parede. Ao terminar, senti-me satisfeito, pois tudo correra bem. A parede não apresentava o menor sinal de ter sido rebocada. Limpei o chão com o maior cuidado e, lançando o olhar em tomo, disse, de mim para comigo: "Pelo menos aqui, o meu trabalho não foi em vão".
O passo seguinte foi procurar o animal que havia sido a causa de tão grande desgraça, pois resolvera, finalmente, matá-lo. Se, naquele momento, tivesse podido encontrá-lo, não haveria dúvida quanto à sua sorte: mas parece que o esperto animal se alarmara ante a violência de minha cólera, e procurava não aparecer diante de mim enquanto me encontrasse naquele estado de espírito. Impossível descrever ou imaginar o profundo e abençoado alívio que me causava a ausência de tão detestável felino. Não apareceu também durante a noite — e, assim, pela primeira vez, desde sua entrada em casa, consegui dormir tranqüila e profundamente. Sim, dormi mesmo com o peso daquele assassínio sobre a minha alma.
Transcorreram o segundo e o terceiro dia — e o meu algoz não apareceu. Pude respirar, novamente, como homem livre. O monstro, aterrorizado fugira para sempre de casa. Não tomaria a vê-lo! Minha felicidade era infinita! A culpa de minha tenebrosa ação pouco me inquietava. Foram feitas algumas investigações, mas respondi prontamente a todas as perguntas. Procedeu-se, também, a uma vistoria em minha casa, mas, naturalmente, nada podia ser descoberto. Eu considerava já como coisa certa a minha felicidade futura.
No quarto dia após o assassinato, uma caravana policial chegou, inesperadamente, a casa, e realizou, de novo, rigorosa investigação. Seguro, no entanto, de que ninguém descobriria jamais o lugar em que eu ocultara o cadáver, não experimentei a menor perturbação. Os policiais pediram-me que os acompanhasse em sua busca. Não deixaram de esquadrinhar um canto sequer da casa. Por fim, pela terceira ou quarta vez, desceram novamente ao porão. Não me alterei o mínimo que fosse. Meu coração batia calmamente, como o de um inocente. Andei por todo o porão, de ponta a ponta. Com os braços cruzados sobre o peito, caminhava, calmamente, de um lado para outro. A polícia estava inteiramente satisfeita e preparava-se para sair. O júbilo que me inundava o coração era forte demais para que pudesse contê-lo. Ardia de desejo de dizer uma palavra, uma única palavra, à guisa de triunfo, e também para tomar duplamente evidente a minha inocência.
— Senhores — disse, por fim, quando os policiais já subiam a escada — , é para mim motivo de grande satisfação haver desfeito qualquer suspeita. Desejo a todos os senhores ótima saúde e um pouco mais de cortesia. Diga-se de passagem, senhores, que esta é uma casa muito bem construída... (Quase não sabia o que dizia, em meu insopitável desejo de falar com naturalidade.) Poderia, mesmo, dizer que é uma casa excelentemente construída. Estas paredes — os senhores já se vão? — , estas paredes são de grande solidez.
Nessa altura, movido por pura e frenética fanfarronada, bati com força, com a bengala que tinha na mão, justamente na parte da parede atrás da qual se achava o corpo da esposa de meu coração.
Que Deus me guarde e livre das garras de Satanás! Mal o eco das batidas mergulhou no silêncio, uma voz me respondeu do fundo da tumba, primeiro com um choro entrecortado e abafado, como os soluços de uma criança; depois, de repente, com um grito prolongado, estridente, contínuo, completamente anormal e inumano. Um uivo, um grito agudo, metade de horror, metade de triunfo, como somente poderia ter surgido do inferno, da garganta dos condenados, em sua agonia, e dos demônios exultantes com a sua condenação.
Quanto aos meus pensamentos, é loucura falar. Sentindo-me desfalecer, cambaleei até à parede oposta. Durante um instante, o grupo de policiais deteve-se na escada, imobilizado pelo terror. Decorrido um momento, doze braços vigorosos atacaram a parede, que caiu por terra. O cadáver, já em adiantado estado de decomposição, e coberto de sangue coagulado, apareceu, ereto, aos olhos dos presentes.
Sobre sua cabeça, com a boca vermelha dilatada e o único olho chamejante, achava-se pousado o animal odioso, cuja astúcia me levou ao assassínio e cuja voz reveladora me entregava ao carrasco.
Eu havia emparedado o monstro dentro da tumba!

quarta-feira, 15 de julho de 2009

O Gato Preto (Parte II)

No dia seguinte ao do incêndio, visitei as ruínas. As paredes, com exceção de uma apenas, tinham desmoronado. Essa única exceção era constituída por um fino tabique interior, situado no meio da casa, junto ao qual se achava a cabeceira de minha cama. O reboco havia, aí, em grande parte, resistido à ação do fogo — coisa que atribuí ao fato de ter sido ele construído recentemente. Densa multidão se reunira em torno dessa parede, e muitas pessoas examinavam, com particular atenção e minuciosidade, uma parte dela, As palavras "estranho!", "singular!", bem como outras expressões semelhantes, despertaram-me a curiosidade. Aproximei-me e vi, como se gravada em baixo-relevo sobre a superfície branca, a figura de um gato gigantesco. A imagem era de uma exatidão verdadeiramente maravilhosa. Havia uma corda em tomo do pescoço do animal.
Logo que vi tal aparição — pois não poderia considerar aquilo como sendo outra coisa — , o assombro e terror que se me apoderaram foram extremos. Mas, finalmente, a reflexão veio em meu auxílio. O gato, lembrei-me, fora enforcado num jardim existente junto à casa. Aos gritos de alarma, o jardim fora imediatamente invadido pela multidão. Alguém deve ter retirado o animal da árvore, lançando-o, através de uma janela aberta, para dentro do meu quarto. Isso foi feito, provavelmente, com a intenção de despertar-me. A queda das outras paredes havia comprimido a vítima de minha crueldade no gesso recentemente colocado sobre a parede que permanecera de pé. A cal do muro, com as chamas e o amoníaco desprendido da carcaça, produzira a imagem tal qual eu agora a via.
Embora isso satisfizesse prontamente minha razão, não conseguia fazer o mesmo, de maneira completa, com minha consciência, pois o surpreendente fato que acabo de descrever não deixou de causar-me, apesar de tudo, profunda impressão. Durante meses, não pude livrar-me do fantasma do gato e, nesse espaço de tempo, nasceu em meu espírito uma espécie de sentimento que parecia remorso, embora não o fosse. Cheguei, mesmo, a lamentar a perda do animal e a procurar, nos sórdidos lugares que então freqüentava, outro bichano da mesma espécie e de aparência semelhante que pudesse substituí-lo.
Uma noite, em que me achava sentado, meio aturdido, num antro mais do que infame, tive a atenção despertada, subitamente, por um objeto negro que jazia no alto de um dos enormes barris, de genebra ou rum, que constituíam quase que o único mobiliário do recinto. Fazia já alguns minutos que olhava fixamente o alto do barril, e o que então me surpreendeu foi não ter visto antes o que havia sobre o mesmo. Aproximei-me e toquei-o com a mão. Era um gato preto, enorme — tão grande quanto Pluto — e que, sob todos os aspectos, salvo um, se assemelhava a ele. Pluto não tinha um único pêlo branco em todo o corpo — e o bichano que ali estava possuía uma mancha larga e branca, embora de forma indefinida, a cobrir-lhe quase toda a região do peito.
Ao acariciar-lhe o dorso, ergueu-se imediatamente, ronronando com força e esfregando-se em minha mão, como se a minha atenção lhe causasse prazer. Era, pois, o animal que eu procurava. Apressei-me em propor ao dono a sua aquisição, mas este não manifestou interesse algum pelo felino. Não o conhecia; jamais o vira antes.
Continuei a acariciá-lo e, quando me dispunha a voltar para casa, o animal demonstrou disposição de acompanhar-me. Permiti que o fizesse — detendo-me, de vez em quando, no caminho, para acariciá-lo. Ao chegar, sentiu-se imediatamente à vontade, como se pertencesse a casa, tomando-se, logo, um dos bichanos preferidos de minha mulher.
De minha parte, passei a sentir logo aversão por ele. Acontecia, pois, justamente o contrário do que eu esperava. Mas a verdade é que - não sei como nem por quê — seu evidente amor por mim me desgostava e aborrecia. Lentamente, tais sentimentos de desgosto e fastio se converteram no mais amargo ódio. Evitava o animal. Uma sensação de vergonha, bem como a lembrança da crueldade que praticara, impediam-me de maltratá-lo fisicamente. Durante algumas semanas, não lhe bati nem pratiquei contra ele qualquer violência; mas, aos poucos - muito gradativamente — , passei a sentir por ele inenarrável horror, fugindo, em silêncio, de sua odiosa presença, como se fugisse de uma peste.
Sem dúvida, o que aumentou o meu horror pelo animal foi a descoberta, na manhã do dia seguinte ao que o levei para casa, que, como Pluto, também havia sido privado de um dos olhos. Tal circunstância, porém, apenas contribuiu para que minha mulher sentisse por ele maior carinho, pois, como já disse, era dotada, em alto grau, dessa ternura de sentimentos que constituíra, em outros tempos, um de meus traços principais, bem como fonte de muitos de meus prazeres mais simples e puros.
No entanto, a preferência que o animal demonstrava pela minha pessoa parecia aumentar em razão direta da aversão que sentia por ele. Seguia-me os passos com uma pertinácia que dificilmente poderia fazer com que o leitor compreendesse. Sempre que me sentava, enrodilhava-se embaixo de minha cadeira, ou me saltava ao colo, cobrindo-me com suas odiosas carícias. Se me levantava para andar, metia-se-me entre as pemas e quase me derrubava, ou então, cravando suas longas e afiadas garras em minha roupa, subia por ela até o meu peito. Nessas ocasiões, embora tivesse ímpetos de matá-lo de um golpe, abstinha-me de fazê-lo devido, em parte, à lembrança de meu crime anterior, mas, sobretudo — apresso-me a confessá-lo — , pelo pavor extremo que o animal me despertava.
Esse pavor não era exatamente um pavor de mal físico e, contudo, não saberia defini-lo de outra maneira. Quase me envergonha confessar — sim, mesmo nesta cela de criminoso — , quase me envergonha confessar que o terror e o pânico que o animal me inspirava eram aumentados por uma das mais puras fantasias que se possa imaginar. Minha mulher, mais de uma vez, me chamara a atenção para o aspecto da mancha branca a que já me referi, e que constituía a única diferença visível entre aquele estranho animal e o outro, que eu enforcara. O leitor, decerto, se lembrará de que aquele sinal, embora grande, tinha, a princípio, uma forma bastante indefinida. Mas, lentamente, de maneira quase imperceptível — que a minha imaginação, durante muito tempo, lutou por rejeitar como fantasiosa —, adquirira, por fim, uma nitidez rigorosa de contornos. Era, agora, a imagem de um objeto cuja menção me faz tremer... E, sobretudo por isso, eu o encarava como a um monstro de horror e repugnância, do qual eu, se tivesse coragem, me teria livrado. Era agora, confesso, a imagem de uma coisa odiosa, abominável: a imagem da forca! Oh, lúgubre e terrível máquina de horror e de crime, de agonia e de morte!

sábado, 11 de julho de 2009

O Gato Preto (Parte I)

Não espero nem peço que se dê crédito à história sumamente extraordinária e, no entanto, bastante doméstica que vou narrar. Louco seria eu se esperasse tal coisa, tratando-se de um caso que os meus próprios sentidos se negam a aceitar. Não obstante, não estou louco e, com toda a certeza, não sonho. Mas amanhã posso morrer e, por isso, gostaria, hoje, de aliviar o meu espírito. Meu propósito imediato é apresentar ao mundo, clara e sucintamente, mas sem comentários, uma série de simples acontecimentos domésticos. Devido a suas conseqüências, tais acontecimentos me aterrorizaram, torturaram e destruíram.
No entanto, não tentarei esclarecê-los. Em mim, quase não produziram outra coisa senão horror — mas, em muitas pessoas, talvez lhes pareçam menos terríveis que grotesco. Talvez, mais tarde, haja alguma inteligência que reduza o meu fantasma a algo comum — uma inteligência mais serena, mais lógica e muito menos excitável do que, a minha, que perceba, nas circunstâncias a que me refiro com terror, nada mais do que uma sucessão comum de causas e efeitos muito naturais.
Desde a infância, tornaram-se patentes a docilidade e o sentido humano de meu caráter. A ternura de meu coração era tão evidente, que me tomava alvo dos gracejos de meus companheiros. Gostava, especialmente, de animais, e meus pais me permitiam possuir grande variedade deles. Passava com eles quase todo o meu tempo, e jamais me sentia tão feliz como quando lhes dava de comer ou os acariciava. Com os anos, aumentou esta peculiaridade de meu caráter e, quando me tomei adulto, fiz dela uma das minhas principais fontes de prazer. Aos que já sentiram afeto por um cão fiel e sagaz, não preciso dar-me ao trabalho de explicar a natureza ou a intensidade da satisfação que se pode ter com isso. Há algo, no amor desinteressado, e capaz de sacrifícios, de um animal, que toca diretamente o coração daqueles que tiveram ocasiões freqüentes de comprovar a amizade mesquinha e a frágil fidelidade de um simples homem.
Casei cedo, e tive a sorte de encontrar em minha mulher disposição semelhante à minha. Notando o meu amor pelos animais domésticos, não perdia a oportunidade de arranjar as espécies mais agradáveis de bichos. Tínhamos pássaros, peixes dourados, um cão, coelhos, um macaquinho e um gato.
Este último era um animal extraordinariamente grande e belo, todo negro e de espantosa sagacidade. Ao referir-se à sua inteligência, minha mulher, que, no íntimo de seu coração, era um tanto supersticiosa, fazia freqüentes alusões à antiga crença popular de que todos os gatos pretos são feiticeiras disfarçadas. Não que ela se referisse seriamente a isso: menciono o fato apenas porque aconteceu lembrar-me disso neste momento.
Pluto — assim se chamava o gato — era o meu preferido, com o qual eu mais me distraía. Só eu o alimentava, e ele me seguia sempre pela casa. Tinha dificuldade, mesmo, em impedir que me acompanhasse pela rua.
Nossa amizade durou, desse modo, vários anos, durante os quais não só o meu caráter como o meu temperamento — enrubesço ao confessá-lo — sofreram, devido ao demônio da intemperança, uma modificação radical para pior. Tomava-me, dia a dia, mais taciturno, mais irritadiço, mais indiferente aos sentimentos dos outros. Sofria ao empregar linguagem desabrida ao dirigir-me à minha mulher. No fim, cheguei mesmo a tratá-la com violência. Meus animais, certamente, sentiam a mudança operada em meu caráter. Não apenas não lhes dava atenção alguma, como, ainda, os maltratava. Quanto a Pluto, porém, ainda despertava em mim consideração suficiente que me impedia de maltratá-lo, ao passo que não sentia escrúpulo algum em maltratar os coelhos, o macaco e mesmo o cão, quando, por acaso ou afeto, cruzavam em meu caminho. Meu mal, porém, ia tomando conta de mim — que outro mal pode se comparar ao álcool? — e, no fim, até Pluto, que começava agora a envelhecer e, por conseguinte, se tomara um tanto rabugento, até mesmo Pluto começou a sentir os efeitos de meu mau humor.
Certa noite, ao voltar a casa, muito embriagado, de uma de minhas andanças pela cidade, tive a impressão de que o gato evitava a minha presença. Apanhei-o, e ele, assustado ante a minha violência, me feriu a mão, levemente, com os dentes. Uma fúria demoníaca apoderou-se, instantaneamente, de mim. Já não sabia mais o que estava fazendo. Dir-se-ia que, súbito, minha alma abandonara o corpo, e uma perversidade mais do que diabólica, causada pela genebra, fez vibrar todas as fibras de meu ser.Tirei do bolso um canivete, abri-o, agarrei o pobre animal pela garganta e, friamente, arranquei de sua órbita um dos olhos! Enrubesço, estremeço, abraso-me de vergonha, ao referir-me, aqui, a essa abominável atrocidade.
Quando, com a chegada da manhã, voltei à razão — dissipados já os vapores de minha orgia noturna — , experimentei, pelo crime que praticara, um sentimento que era um misto de horror e remorso; mas não passou de um sentimento superficial e equívoco, pois minha alma permaneceu impassível. Mergulhei novamente em excessos, afogando logo no vinho a lembrança do que acontecera.
Entrementes, o gato se restabeleceu, lentamente. A órbita do olho perdido apresentava, é certo, um aspecto horrendo, mas não parecia mais sofrer qualquer dor. Passeava pela casa como de costume, mas, como bem se poderia esperar, fugia, tomado de extremo terror, à minha aproximação. Restava-me ainda o bastante de meu antigo coração para que, a princípio, sofresse com aquela evidente aversão por parte de um animal que, antes, me amara tanto. Mas esse sentimento logo se transformou em irritação. E, então, como para perder-me final e irremissivelmente, surgiu o espírito da perversidade. Desse espírito, a filosofia não toma conhecimento. Não obstante, tão certo como existe minha alma, creio que a perversidade é um dos impulsos primitivos do coração humano - uma das faculdades, ou sentimentos primários, que dirigem o caráter do homem. Quem não se viu, centenas de vezes, a cometer ações vis ou estúpidas, pela única razão de que sabia que não devia cometê-las? Acaso não sentimos uma inclinação constante mesmo quando estamos no melhor do nosso juízo, para violar aquilo que é lei, simplesmente porque a compreendemos como tal? Esse espírito de perversidade, digo eu, foi a causa de minha queda final. O vivo e insondável desejo da alma de atormentar-se a si mesma, de violentar sua própria natureza, de fazer o mal pelo próprio mal, foi o que me levou a continuar e, afinal, a levar a cabo o suplício que infligira ao inofensivo animal. Uma manhã, a sangue frio, meti-lhe um nó corredio em torno do pescoço e enforquei-o no galho de uma árvore. Fi-lo com os olhos cheios de lágrimas, com o coração transbordante do mais amargo remorso. Enforquei-o porque sabia que ele me amara, e porque reconhecia que não me dera motivo algum para que me voltasse contra ele. Enforquei-o porque sabia que estava cometendo um pecado — um pecado mortal que comprometia a minha alma imortal, afastando-a, se é que isso era possível, da misericórdia infinita de um Deus infinitamente misericordioso e infinitamente terrível.
Na noite do dia em que foi cometida essa ação tão cruel, fui despertado pelo grito de "fogo!". As cortinas de minha cama estavam em chamas. Toda a casa ardia. Foi com grande dificuldade que minha mulher, uma criada e eu conseguimos escapar do incêndio. A destruição foi completa. Todos os meus bens terrenos foram tragados pelo fogo, e, desde então, me entreguei ao desespero.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Cristina

Cristina era uma socióloga respeitada. Especializou-se no estudo da época da inquisição, quando, sob o manto da igreja, pessoas eram queimadas sob acusação de bruxaria. Através de suas pesquisas concluiu que, na maioria das vezes a perseguição era política, os acusados nunca haviam se envolvido com satanismo. Alguns casos pareciam típicos de doentes mentais, que mais deveriam ir para o sanatório que para fogueira.
Um caso, contudo, chamou-lhe a atenção: Catarina, uma mulher do século XVII, queimada num povoado do interior, conhecida como a maior das feiticeiras. As lendas que dela se contavam perduravam até os dias atuais, sobre seu poder e maldade. Morrera queimada, jurando vingança.
Cristina viajara para a cidade que se desenvolvera perto do antigo povoado onde a bruxa teve seu fim. Verificou que ,apesar dos séculos, as pessoas conheciam histórias sobre ela, havendo inclusive aqueles que jurassem ter visto reunião de demônios comandados por Catarina em um vale próximo. Cristina ia assim juntando material para uma nova tese, sobre o imaginário popular.
Algumas coincidências, porém, logo chamaram-lhe a atenção. De tempos em tempos sumiam crianças na região, que nunca eram encontradas. Assim como começavam, os desaparecimentos terminavam. Catarina era considerada culpada, mesmo séculos após ter morrido. O fato é que nunca qualquer pista foi encontrada. Justamente após sua chegada na cidade, crianças começam a sumir, sem deixar vestígios. Havia mais de cinqüenta anos que aquilo não acontecia, portanto não poderia ser a mesma pessoa. Três garotos estavam desaparecidos. Não havia pista alguma, uma testemunha que fosse.
Cristina envolveu-se com as investigações. Sentia que, se desvenda-se aquele crime, poderia explicar a estranha influência que aquela lenda exercia sobre a população daquele lugar.
Passado algumas semanas nada de novo havia sido descoberto. Das outras crianças não mais foram vistas. O delegado local pensava até em pedir ajuda federal. Cristina não dormia direito, procurando, pela lógica, encontrar uma solução.
Um dia a socióloga aparece na delegacia. Não havia dormido a noite anterior. Apesar de cientista tinha uma intuição. Visivelmente alterada, pediu ao delegado que a acompanhasse com alguns policiais. Foram ao local onde, pelos relatos que descobrira, Catarina havia cumprido pena. Era um pequeno vale. Movida por uma força estranha, Cristina, com as mãos escava o sopé de um morro próximo. A terra estava fofa. Os pequenos ossos não demoraram a aparecer.
Ao ver tudo aquilo, o rosto de Cristina se transformou. À vista incrédula dos policiais, ela começava a gritar palavras incompreensíveis. Era como se duas almas lutassem por um só corpo. Suas feições iam, aos poucos, se transformando. Ela despiu-se até que, completamente nua começou a dançar freneticamente, num ritmo cada vez mais rápido, começou a levitar. De seus olhos, emanava o próprio mal. Cristina havia sacrificado aquelas crianças. Sem saber, seu corpo fora apossado por Catarina, que assim executava a sua vingança.

sábado, 4 de julho de 2009

Uma Última Visita

Eu não conhecia nada mais deprimente do que ficar sozinho em casa, na época de natal. Longe dos amigos, longe da família. Desde o acidente ninguém mais aparecera, ninguém mais dera as caras. Nem mesmo uma árvore a piscar havia. A casa que eu amava estava largada, empoeirada, descuidada, só me causava tristeza. Minha filha, depois que se casou, pouco me visitara. Não gostava, sentia frio. Dizia que já sofrera o bastante, passando aqui anos de sua infância. Ninguém mais tinha interesse pela casa, apenas eu.

Como que só para me desmentir, a porta subitamente se abriu. Foi algo tão inesperado que fiquei estático por alguns segundos, mas logo reconheci o intruso. Era Pedro, o marido de minha filha. Onde ela estaria? Ele entrou, acendeu as luzes e, displicente, largou uma mala em cima do sofá. Com o impacto, rapidamente formou-se uma nuvem de poeira, flocos flutuantes brilhando em várias cores. Pedro tossiu e começou a ofegar. Ávido, procurou no bolso da calça a bombinha e levou-a à boca, aspirando várias vezes. Pudera, uma casa abandonada não é exatamente um lugar apropriado para um asmático. Mas então... O que ele estaria fazendo aqui?

Só podia ser! Tinha vindo atrás do dinheiro! Mas como descobrira? Eu nunca comentara sobre o cofre! Bem, se ele sabia que havia um cofre na casa, pelo menos não sabia onde fora instalado. Assim que melhorou, Pedro dirigiu-se a um lugar improvável, o quarto da bagunça — quase que um depósito.

Fui atrás dele sorrindo, vitorioso. Se Pedro achava que seria fácil botar as mãos no meu dinheiro, estava completamente enganado. E por que a minha filha não tinha vindo junto? Não podia ser assim! E se ele escondesse uma parte, ou até mesmo tudo, e depois dissesse que nada havia? Não, não, aquilo não estava certo!

Depois de procurar durante algum tempo em um dos armários, Pedro soltou um suspiro aliviado. Tinha achado uma boneca. A boneca de pano que minha filha mais gostava, aquela que não largava quando criança. Estava velha, é evidente, mas ainda bem conservada. Minha filha fora sempre uma menina cuidadosa. Natural, puxara ao pai.

Eufórico, Pedro foi até a sala e tirou da mala um computador. Colocou-o em cima da mesa, conectou alguns fios à parede e depois ligou a máquina. Eu sabia o que ele queria fazer. Nos últimos anos, usara a Internet todos os finais de semana para ver e falar com minha filha. Ela não me visitava, era o melhor que eu podia arrumar.

Sentia-me envergonhado. Duvidara de Pedro sem razão e não podia sequer pedir desculpas. Após o ruído característico, Pedro conseguiu a conexão e logo minha filha apareceu na tela, sua voz de menina a ecoar pela sala. Uma onda de pura felicidade transpassou-me, arrebatadora. Eu chegara mesmo a pensar que jamais a veria de novo! Ela estava um pouco mais gorda, rosada, os cabelos presos num rabo de cavalo. Também achei a imagem maior e mais definida do que a que eu estava acostumado. Seria apenas uma falsa impressão?

Depois de falar sobre viagens e saudades, Pedro mostrou a boneca. Minha filha sorriu, docemente. Como quando ganhava um presente. E então sumiu da tela, para logo depois voltar. Desta vez carregava um bebê. Por um segundo a emoção me dominou. No instante seguinte, gritei como jamais havia gritado, surpreso, atônito, apavorado. Pobre de Pedro, se pudesse me ouvir: o susto o teria matado.

Um espírito brilhante entrara pela janela e vinha flutuando devagar em minha direção, envolto por uma luz difusa. Usava um hábito de monge, mas ainda assim inspirava medo. Não era para menos, desde que eu morrera jamais vira outro espírito! Ninguém aparecera para me receber, ninguém viera me buscar. E em breve faria um ano! O espírito se aproximou e estremeci quando pude olhar nos seus olhos. Cheguei mesmo a pensar em fugir, mas ele baixou a cabeça num cumprimento, o que muito me acalmou. Depois olhou para a tela, curioso.

— É a minha filha — expliquei, aliviado.

— Encantadora — devolveu, sereno.

— E a criança que ela está carregando é, provavelmente, minha primeira neta — orgulhei-me.

— Exatamente por isto estou aqui.

— Como assim?

— Agora que você já viu sua neta, chegou a hora de partirmos.

Partirmos? Mas para onde? O que ele queria dizer com isto? E quem era ele, afinal?

— Você é um anjo? — perguntei de repente, emocionado.

O espírito abriu um largo e doce sorriso. Seus dentes eram perfeitos, seus olhos negros brilhavam.

— Podemos dizer que sim — respondeu, misterioso.

— E vou ter que deixar minha casa?

— Não é mais sua casa, foi vendida. Mas não fique triste, você teve e terá muitas outras.

Vendida? A minha casa? Vendida para quem? Pensei em perguntar, mas senti que já não era tão importante. Eu tinha dúvidas mais urgentes.

— Vamos sair flutuando?

— Claro! Você não gostaria de planar pelas ruas? Vistas do astral, as luzes de natal são ainda mais bonitas!

Sorri para ele, pela primeira vez. Quem não gostaria, depois de quase um ano trancado em casa? Mesmo assim, continuava inseguro.

— Você ficará comigo?

— O quanto for preciso — tranqüilizou-me.

Então um pensamento me assaltou, violento. Cheguei a tremer de excitação, ante a simples possibilidade.

— Quão longe poderei ir?

— Mais do que consegue agora imaginar.

— E estamos com pressa?

Por um longo instante achei que o anjo fosse dizer que sim, que não haveria tempo. Mas sua expressão desanuviou-se e ele tornou a sorrir, cúmplice, complacente.

— Não, não estamos com nenhuma pressa.

Virei-me então para a tela do computador e disse, como se ela pudesse me ouvir:

— Espere por mim, filha. Já estou chegando.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Bárbie Assassina

Uma menina de uma certa terra que sonhava em ter uma Barbie e que cresceu sempre pedindo por uma. Um dia ganhou a tão preciosa boneca, e começou a tratá-la como se fosse viva. Botava a Barbie pra dormir, dormia ao lado dela, fazia carinho, conversava, dava banho, tratava-a como se fosse filha.
Numa noite, quando foi dormir, a boneca começou a se mexer. Ela pegou uma faca e esfaqueou a menina. Ouvindo os gritos da menina morrendo, a mãe subiu para o quarto e, vendo-a morta, ficou desesperada. A Barbie nem deixou que ela reagisse e já foi atacando também a mãe da sua dona, que caiu na porta do quarto. Em seguida, a Barbie desceu para a cozinha e esfaqueou também a empregada, que fazia tranquilamente os seus ultimos trabalhos do dia.
Quando o pai da menina chegou em casa do trabalho, e viu a Barbie se mexendo, correu, pegou imediatamente álcool e fósforo e queimou a boneca, ela continuou se mexendo, e tentando atacá-lo, e ele colocava mais fogo e mais fogo e mais fogo até que a boneca finalmente caiu no chão.
No dia seguinte todos comentavam sobre o ocorrido. Uma pessoa amiga da familia disse que conseguia ver os corpos da menina, e da sua mãe e empregada mortos, e a "boneca assassina" queimada no chão, toda desfeita. Uma outra amiga, que ouviu a sua historia, sempre costuma (e até hoje) dizer: não se deve dar ozadia a bonecos, nunca fique sozinho com eles e nunca, jamais ame-os ou trate-os como se fossem seres vivos. Nenhum deles é confiável.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

O Espelho

Nancy Fieldman, uma garota bonita e inteligente, de origem humilde, trabalhava em uma mansão na Inglaterra, juntamente com sua mãe por volta do ano 1870.

Segundo a historia, Os senhor, dono da mansão onde Nancy e sua mãe trabalhavam era um homem com sérios problemas de personalidade, um "psicopata" sem escrúpulos, que tratava as duas muito mal, deixando para elas apenas as sobras de seus frequentes banquetes e um quarto frio onde as duas se acomodavam durante a noite, naquela mansão com inúmeros quartos quentes que ficavam trancados para o uso apenas dos hospedes e convidados.

Devido ao tratamento desumano e também a uma anemia profunda, a mãe de Nancy veio a falecer, deixando para sua filha seus únicos bens materiais, uma pequena boneca de pano e um espelho emoldurado em mármore, deixado por seu pai com o seguinte dizer: "Serei o reflexo de tua alma onde quer que esteja" (entalhado na parte inferior do espelho).

Nancy era uma garota tímida, porem muito sorridente, entretanto, com a morte de sua mãe, Nancy entrou em uma forte depressão e queria abandonar a mansão.

O dono da mansão, sabendo de suas intenções, trancou a garota em um porão, de onde ela não podia sair, e o que era pior, a garota passou a ser violentada todas as noites naquele lugar.

Certo dia, cansada desse sofrimento e sentindo muitas dores, Nancy tentou reagir as agressões a que era submetida, dando um golpe com sua boneca de pano na cara do homem. O dono da mansão, muito revoltado com a garota, esbofeteou-a e a asfixiou com a própria boneca.

A garota derrubou o espelho ao se debater e ainda sem ar disse suas ultimas palavras: "Serei o reflexo de tua alma onde quer que esteja"...

Semanas depois o homem foi encontrado com os cabelos completamente grisalhos, morto sem explicação com um pedaço do espelho entre as mãos.

Ate hoje a morte desse homem tem sido um mistério, dizem que muitas pessoas morreram ou ficaram loucas após se apossarem daquele pedaço de espelho, muitos dizem ver o reflexo da pequena Nancy.