segunda-feira, 22 de junho de 2009

Eu, Vampiro?

Aquela poderia ser uma manhã qualquer não fosse o fato de a campainha tocar às 8 horas e tirar o conde da cama. Acostumado a dormir até mais tarde, ele teve de colocar seu roupão de cetim azul para atender à porta. Uma nesga de luz solar penetrou nos seus olhos, ofuscando sua visão. Mesmo assim, ele pode distinguir o vulto de várias pessoas que se acotovelavam junto à soleira da porta. Vizinhos conhecidos de vista e estranhos, alguns com archotes acesos nas mãos, incoerentemente com a vasta luz solar da manhã. À frente da turba assanhada, ele reconheceu o dr. Martim, delegado titular da cidadezinha de Retiro Santo.
– Conde Milos, desculpe o importúnio a estas horas... – disse sorrindo o delegado.
– Importúnio algum, dr. Martim! – sorriu gentilmente o conde – Queira entrar e fique à vontade.
Alguns dos que acompanhavam o delegado manifestaram sua intenção de também adentrar na casa, mas o delegado permitiu apenas que dois deles o fizessem. Um deles, o conde já havia visto, era o Juriti, empregado da vendinha onde o conde costumava comprar seus charutos. Ele trazia nas mãos uma estaca pontiaguda. O outro – um mulato magro de olhos esbugalhados de espanto – segurava nervosamente alguma coisa embrulhada num pano de saco de aliagem.
– Mas a que devo a visita? – perguntou o conde, oferecendo assento numa das poltronas das sala.
– Infelizmente, conde, minha visita não é de cortesia. Eu gostaria que o senhor me acompanhasse até a delegacia para responder a umas perguntas...
– Infelizmente não posso fazê-lo, pois não costumo sair à luz do dia – respondeu o conde.
– Viu só? Viu só? – gritou o mulato assustado, cutucando o delegado.
– Cuidado com ele! – advertiu o Juriti.
O delegado olhou contrariado para seus dois acompanhantes e continuou:
– Bem, assim sendo, acho que posso adiantar as investigações aqui mesmo.
– Pergunta pra ele por que ele não pode sair à luz do dia! – cutucou o Juriti.
O delegado se impacientou:
– Ou vocês me deixam conduzir as diligências ou eu boto os dois para fora daqui!
Depois, voltou a sorrir para o conde:
– Mas, à propósito: o que o impede de sair à luz do dia?
– Como o senhor pode ver, delegado, eu sou completamente albino, os raios do sol fazem mal à minha pele. Além do mais tenho propensão a câncer de pele... – explicou o conde.
– Claro, claro! É compreensível. Mas vamos direto ao assunto: o senhor conheceu Carla Martina, dançarina do "Exciting nights"?
– Não estou ligando o nome à pessoa... – considerou o conde.
– O senhor chupou ela! – gritou o mulato nervosamente assustado.
O conde corou visivelmente as maçãs do seu rosto lívido e sorriu sem graça para o delegado.
– Doutor, eu me reservo o direito de não comentar meus relacionamentos íntimos... – disse ele.
– O senhor me desculpe, conde, cidade pequena, o senhor sabe como é... Esse pessoal é supersticioso demais... Estão acusando o senhor...
– O senhor é vampiro! – adiantou-se o Juriti erguendo a estaca de sua mão.
– Perdão, delegado, receio não ter entendido direito do que me acusam... – disse o conde.
– Eu boto vocês dois para fora daqui já! – gritou o delegado para os dois acusadores – não vou tolerar mais interrupções!
– Mas explique-me melhor o que está acontecendo, doutor. Eu já fui várias vezes ao "Exciting Nights", mas não conheço a pessoa a quem o senhor se referiu...
– Carla Martina. Foi encontrada morta nesta madrugada num terreno baldio atrás do cartório. Tinha dois furos profundos na garganta e estava totalmente sem sangue...
– Manda ele arreganhar os dentes, manda! – sussurou o mulato.
O conde ouviu isso e abriu uma sonora gargalhada. Não era preciso ser bom observador para ver que o conde tinha os dentes perfeitamente normais.
– Tá se rindo? – disse o mulato, levantando-se do sofá e desembrulhando o que trazia nas mãos pois eu tenho uma surpresinha para o senhor.
Dizendo isso, ele avançou para cima do conde, adiantando uma enorme cruz de madeira.
Refeito do susto pela ação intempestiva do rapaz, o conde comentou:
– Obrigado, mas não estou interessado em mais uma cruz. Eu já tenho várias na minha vida – E, com as mãos, ele mostrou as paredes da casa onde se destacavam vários crucifixos ricamente trabalhados, evidenciando a mania do conde de colecionar cruzes e crucifixos.
– Pra mim já chega! – gritou o delegado, levantando-se de supetão do sofá. – Vocês estão me fazendo passar um ridículo aqui...
Dizendo isso, ele abriu a porta e colocou os dois capiaus para fora de lá. Com gestos das mãos dispensou os curiosos que aguardavam lá fora e fechou a porta, ficando a sós com o conde.
– Até agora, eu não entendi direito qual a acusação que pesa sobre mim... – comentou o conde.
– Essa gente parece não ter mais o que fazer! – disse o delegado. – Eles cismaram que tem um vampiro atacando na cidade. E como o senhor é novo por aqui, o senhor sabe...
O conde riu às gargalhadas:
– A queixa devia vir dos meus empregados. O que eu sugo do sangue dos coitados, fazendo-os trabalhar muitas vezes além do horário. Mas eles são gentilmente remunerados!
– Ainda bem que o senhor leva tudo na esportiva! Eu estou constrangido por ter me abalado até aqui por uma acusação dessas. – sorriu apologético o delegado.
– Já que está aqui, doutor, permita-me oferecer-lhe um cálice de vinho da minha adega. – propôs o conde, levantando-se.
Com isso, ele conduziu o delegado até o porão onde apresentou sua adega farta de toda qualidade de vinhos.
– Desde que tomei posse do cargo nesta cidadezinha – comentou o dr. Martim – eu vi que o pessoal daqui era muito simples e crédulo demais... Foi em meados de...
– 1960? 1950? – perguntou o conde.
– Não! Eu não sou tão velho assim... Foi em 1978.
– Eu me referia à safra do vinho. – sorriu o conde.
– Ah! Desculpe-me... Se tiver um tinto da safra de 52 eu agradeceria.
– Tinto... aqui está! Uma boa safra essa, sem dúvidas – disse o conde pegando uma garrafa – pode ficar com ela. Eu aprecio mais o vinho branco.
Dizendo isso, o conde acompanhou até a porta sua visita inesperada que agradeceu e saiu com a garrafa de vinho debaixo do braço.
Depois, o conde dirigiu-se ao seu quarto, tirou o roupão e voltou a deitar-se na cama
"Admiro um bom apreciador de vinhos" – pensou ele.
Como havia perdido o sono, pegou um livro sobre vampirismo e pôs-se a ler. Depois, levantou-se, foi até a cozinha e abriu a geladeira. Sorriu, lembrando-se do ocorrido daquela manhã.
– Eu, vampiro... Esse pessoal é mesmo ascético demais. – disse para si mesmo – Mas até que seria bom se eu fosse mesmo um vampiro.
Com isso, ele pegou da geladeira uma bombinha de sucção com dois tubinhos e agulhas nas pontas.
– Seria bem mais prático, com toda certeza. – sorriu ele, enquanto lambia das agulhas da bombinha um resto de sangue que ainda não havia coagulado.

5 comentários:

  1. Parabéns pelo seu blog! desejo muito sucesso! continue escrevendo! Abraços

    http://antoniopimenta.blogspot.com/

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  2. nossa
    mto interessante essa ideia!
    gostaria de ver um livro publicado...

    ehee
    flw!

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  3. Nossa, você escreve muito bemm , parabens!!!
    Abração do Saci :D

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  4. gostei desse conto de vampiro ! :)

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  5. Muito bom o conto gostei =P

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